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sábado, 7 de dezembro de 2019

CARÊNCIA: Uma mãe muito presente na minha infância


Há 25 anos que sou agraciado pela bênção de estar vivo, e neste mês de dezembro quero dedicar alguns textos sobre a minha vida e se, de alguma forma, servirem de lição e motivação para si, juro que nunca estaria tão feliz. Isto não quer dizer, de forma nenhuma, que eu seja melhor que quem quer que seja ou que tenha alcançado o pico da minha vida, mas tão somente uma contribuição e oportunidade para honrar publicamente a todos os MEUS que me ajudaram a chegar até aqui.
Sou o último filho da união entre a senhora Margarida Salvador, uma camponesa de veia que nunca conheceu a escola, e o senhor Rogério Massa, um veterinário de mão cheia emprestado à Polícia Municipal de Quelimane desde 2004. Nasci na Cidade de Quelimane, bairro Namuinho, na tarde de um Sábado do mês de Agosto lá para os anos 94. Tenho três irmãos (isso mesmo! somos todos homens) mais velhos de mim.
No ano em que vim para o mundo, meu pai trabalhava, sem salário, para a Companhia da Zambézia (estações de Coalane, Maquival, Namerrumo e Marrongane respectivamente) e o único benefício directo eram as carnes de vaca e o leite fresco de que tínhamos direito todos os “santos” dias durante dez anos do “quase” desemprego do meu pai. Nesta época, como sempre, a minha mãe desempenhou um papel-chave para manter-nos afastados da “insegurança alimentar”, pois do esforço abnegado da sua mão unida ao cabo-curto 24/7/365 conseguíamos ter, periodicamente, na nossa despensa um pouco de Arroz, Mandioca, milho, batata doce, amendoim, etc.
Cresci num ambiente com natureza virgem, numa casa de material precário, maticada de lodo e coberta de folhas de palmar. Em sua volta haviam palmares e machambas, algumas da minha família e outras não. Enquanto criança, as brincadeiras predominantes entre os homens eram: pesca, natação em pântanos, futebol onze (normalmente através de uma bola feita de pano e preservativo), prática de karaté (muito amador 😊), caça de pássaros, montagem de gaiolas, montagem de carros feitos de arrame, borracha e latas de cerveja, entre outras brincadeiras. Entre as mulheres, as brincadeiras predominantes eram: Neca, Cheia e Djiri, etc. (não sei colocar em português).
A minha educação de casa era como que uma vacina com poderes de me tornar apto a encarar qualquer desafio que a vida me pudesse oferecer. Ainda na tenra idade, os meus pais, de forma prática, ensinaram-me o princípio de “comida pelo trabalho”. Eu devia sempre ir à machamba para ajudar a cultivar pois era dali onde vinha o pão nosso de cada dia. Ensinou-me também a fazer os trabalhos domésticos todos (cozinhar, lavar a loiça, varrer o pátio, passar à ferro, buscar água, etc.). Ensinou-me a acordar cedo todos os dias. Ensinou-me a manter-se honesto e cordial mesmo que a vida esteja a oferecer-me dissabores. Ensinou-me a correr atrás dos meus sonhos, sem se importar o quão loucos e ousados fossem.
Embora a minha mãe fosse analfabeta, ela manteve sempre uma visão de colocar-nos na escola e monitorar rigorosamente o nosso progresso. Sinceramente, não sei se na época ela sabia o que isso significaria, sobretudo num contexto em que parte das suas amigas a zombavam porque, nas suas palavras, “a escola não nos levaria a lugar algum”. Me lembro que toda a vez que eu largasse da escola, lá estava ela com perguntas de como foi a aula, o que aprendi, se havia trabalho para casa (TPC), etc. Aquele acompanhamento era tão bom e me mantinha motivado a ficar atento a tudo o que era dito em sala de aulas para que, fielmente, respondesse às perguntas da minha curiosa mãe.
Naquela época eu não usava sapatos, ia à escola descalço e com roupas rasgadas. Não exigia lanche/dinheiro como condição para fazer-me à escola, ia mesmo sem ter tido jantar na noite anterior. Sempre que fui cabeça-dura, levei tantas chapadas para “entrar na linha”. Não haviam carteiras, sentava-me directamente no chão. Quem não tivesse nota positiva (nunca foi meu caso 😊) era reprovado, sem qualquer negociação. Não tinha electricidade, usava candeeiro à petróleo para rever durante a noite. Não haviam abundância de livros muito menos bibliotecas, usava apontamentos de cadernos de estudantes anteriores sempre que tivesse dúvidas ou trabalho para casa… enfim, estudei numa época em que a competitividade e o conhecimento falavam mais alto que qualquer aparência.
Quando penso sobre este passado, compreendo que a carência é sempre uma oportunidade para aperfeiçoamento da criatividade do homem e melhoramento do bem-estar individual e colectivo, e nunca o contrário. E a abundância…?

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