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segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

UM ARQUITECTO OCULTO DO PRINCÍPIO DA MINHA JORNADA PROFISSIONAL

Era 2008 e eu andava na oitava classe na Escola Secundária Geral de Coalane, em Quelimane. Primeira classe do ensino secundário e muita coisa era nova para mim, portanto. Novas disciplinas, novos amigos e nova escola. Nesta época, fiz amizade fechada com um colega de nome Bernardino Uaquela Bca
No entanto, num desses dias da nossa jornada académica daquele ano, Bernardino informou-me que havia algumas vagas de voluntariado abertas no Clube da Criança da Rádio Moçambique, emissor provincial da Zambézia e, como eu andava a procura de algo diferente que me pudesse ocupar, vi ali a minha única chance de abraçar o desafio. Procurei saber com o Bernardino sobre os requisitos e procedimentos para candidatar-se e ele explicou-me que simplesmente teria que me dirigir à Rádio na manhã do sábado seguinte e apresentar a minha intenção.
Sábado chegou e lá fui eu à Rádio apresentar a minha intenção de fazer parte do Clube de Rádio da Criança. Eram pontualmente sete horas quando lá cheguei. Encontrei outras crianças mais novas que, tal como eu, queriam concorrer à vaga de voluntariado. De forma tímida, cumprimentei a todas e todos presentes. Puxei uma conversa com uma delas e questionei - é aqui o clube de rádio da Criança? – Sim! respondeu-me.
Ficamos ali até oito horas e, foi então que uma senhora de estatura média, clara e de uma voz suave chegou e saudou-nos a todos perguntando: - Vocês estão aqui por causa daquela vaga de voluntariado? – Sim! Respondemos em corro. Imediatamente ela convidou-nos a entrar para a sala do Clube de Rádio da Criança (CRC) e explicou-nos de como seria a competição.
“Olá a todos, sejam bem-vindos a CRC. Chamo-me Elsa Germano e sou a coordenadora do CRC. Para que cada um aqui nesta sala seja aceite como voluntário do CRC deverá ler um trava-língua de forma rápida, sem falhas. Quem conseguir fazer isto com sucesso será integrado no CRC a partir de hoje. Aqui está o desafio” – disse, enquanto entregava-nos um papel com o seguinte texto:
“Num ninho de mafagafos, quatro mafagafinhos há. Quem mafagafar os mafagafinhos, bom mafagafinhador será”.
Parece um texto simples, mas acreditem que houve quem não conseguiu passar, porque, de facto, ler isto de forma rápida e sem gafes não é coisa para todos LOL. Enfim, feita a prova oral, graças à Deus fui aprovado para colaborador voluntário do CRC. Portanto, a partir daquele momento, a minha vida deu uma volta de 360 graus.
O CRC era um centro que, para além de produzir programas radiofónicos infanto-juvenis em língua portuguesa, e-chwabo e e-lomwe, servia de um lugar de empoderamento social e cultural das crianças. Foi lá onde tive o meu primeiro contacto com o computador, uma mesa de edição de aúdio, um microfone e, com apoio de outras crianças, aprendi a dominar todas estas tecnologias providas pelo CRC. O meu gosto pelo CRC foi crescente que, por fim, acabei me apaixonando.
Por causa desta paixão, a minha rotina de vida alterou-se completamente. Lembro-me que saía de casa muito cedo, sem tomar o pequeno-almoço, para CRC, depois seguia para escola, a seguir ia para Igreja e finalmente à casa onde teria a oportunidade de tomar a minha única refeição. Esta rotina, desgastante para alguns, mas adorável para mim, acompanhou-me durante cinco anos (2008-2012).
As pessoas sempre questionavam-me porquê dedicava-me tanto para uma coisa que não dava dinheiro? E eu nunca tinha resposta para este tipo de perguntas. Eu apenas gostava do que fazia, de tal forma que a jornada era mais interessante que qualquer beneficio dali advindo.
Vale a pena dizer que, enquanto no CRC, desempenhei as funções de sonoplasta, produtor e apresentador do mais prestigiado programa de educação denominado “Mundo Sem Segredos”, do programa infantil “Vamos Brincar e Aprender” e “Novos Horizontes”, que mais tarde veio chamar-se “Visão Jovem”.
Foi pelo CRC que recebi o meu primeiro subsídio na vida, resultante do meu empenho e reconhecimento. Foi graças ao CRC que fiz a minha primeira viagem inter-distrital para Maganja da Costa e primeira viagem Inter-provincial para a Província de Cabo Delgado. Foi graças ao CRC que, de 2013-2015, colaborei com a Antena Nacional da Rádio Moçambique, em Maputo, nos programas “Último Tempo” e “Zona Quente”. Foi no CRC onde aprendi, desenvolvi e amadureci inúmeras habilidades e estabeleci valiosos contactos que até hoje me são úteis. Por meio do CRC conheci figuras como: CoutinhoJoseSantanaMujaideEuniceIloyahFarzanaZitoGilOtíliaGércioArafatCeciliaAlexandreIvanDjhdiasVirgilioInacioSumaliAbilioAmilcar entre várias outras, incluindo Jornalistas.
Como se pode notar nesta história, não existe uma oportunidade certa para ninguém, apenas devemos agarrar firme todas as oportunidades que a vida nos oferece e colocarmos o amor acima de tudo e veremos que tudo o resto nos será canja. Não fique a espera de uma oportunidade certa, abrace-as quantas puder e mantenha uma mente aberta.

sábado, 7 de dezembro de 2019

CARÊNCIA: Uma mãe muito presente na minha infância


Há 25 anos que sou agraciado pela bênção de estar vivo, e neste mês de dezembro quero dedicar alguns textos sobre a minha vida e se, de alguma forma, servirem de lição e motivação para si, juro que nunca estaria tão feliz. Isto não quer dizer, de forma nenhuma, que eu seja melhor que quem quer que seja ou que tenha alcançado o pico da minha vida, mas tão somente uma contribuição e oportunidade para honrar publicamente a todos os MEUS que me ajudaram a chegar até aqui.
Sou o último filho da união entre a senhora Margarida Salvador, uma camponesa de veia que nunca conheceu a escola, e o senhor Rogério Massa, um veterinário de mão cheia emprestado à Polícia Municipal de Quelimane desde 2004. Nasci na Cidade de Quelimane, bairro Namuinho, na tarde de um Sábado do mês de Agosto lá para os anos 94. Tenho três irmãos (isso mesmo! somos todos homens) mais velhos de mim.
No ano em que vim para o mundo, meu pai trabalhava, sem salário, para a Companhia da Zambézia (estações de Coalane, Maquival, Namerrumo e Marrongane respectivamente) e o único benefício directo eram as carnes de vaca e o leite fresco de que tínhamos direito todos os “santos” dias durante dez anos do “quase” desemprego do meu pai. Nesta época, como sempre, a minha mãe desempenhou um papel-chave para manter-nos afastados da “insegurança alimentar”, pois do esforço abnegado da sua mão unida ao cabo-curto 24/7/365 conseguíamos ter, periodicamente, na nossa despensa um pouco de Arroz, Mandioca, milho, batata doce, amendoim, etc.
Cresci num ambiente com natureza virgem, numa casa de material precário, maticada de lodo e coberta de folhas de palmar. Em sua volta haviam palmares e machambas, algumas da minha família e outras não. Enquanto criança, as brincadeiras predominantes entre os homens eram: pesca, natação em pântanos, futebol onze (normalmente através de uma bola feita de pano e preservativo), prática de karaté (muito amador 😊), caça de pássaros, montagem de gaiolas, montagem de carros feitos de arrame, borracha e latas de cerveja, entre outras brincadeiras. Entre as mulheres, as brincadeiras predominantes eram: Neca, Cheia e Djiri, etc. (não sei colocar em português).
A minha educação de casa era como que uma vacina com poderes de me tornar apto a encarar qualquer desafio que a vida me pudesse oferecer. Ainda na tenra idade, os meus pais, de forma prática, ensinaram-me o princípio de “comida pelo trabalho”. Eu devia sempre ir à machamba para ajudar a cultivar pois era dali onde vinha o pão nosso de cada dia. Ensinou-me também a fazer os trabalhos domésticos todos (cozinhar, lavar a loiça, varrer o pátio, passar à ferro, buscar água, etc.). Ensinou-me a acordar cedo todos os dias. Ensinou-me a manter-se honesto e cordial mesmo que a vida esteja a oferecer-me dissabores. Ensinou-me a correr atrás dos meus sonhos, sem se importar o quão loucos e ousados fossem.
Embora a minha mãe fosse analfabeta, ela manteve sempre uma visão de colocar-nos na escola e monitorar rigorosamente o nosso progresso. Sinceramente, não sei se na época ela sabia o que isso significaria, sobretudo num contexto em que parte das suas amigas a zombavam porque, nas suas palavras, “a escola não nos levaria a lugar algum”. Me lembro que toda a vez que eu largasse da escola, lá estava ela com perguntas de como foi a aula, o que aprendi, se havia trabalho para casa (TPC), etc. Aquele acompanhamento era tão bom e me mantinha motivado a ficar atento a tudo o que era dito em sala de aulas para que, fielmente, respondesse às perguntas da minha curiosa mãe.
Naquela época eu não usava sapatos, ia à escola descalço e com roupas rasgadas. Não exigia lanche/dinheiro como condição para fazer-me à escola, ia mesmo sem ter tido jantar na noite anterior. Sempre que fui cabeça-dura, levei tantas chapadas para “entrar na linha”. Não haviam carteiras, sentava-me directamente no chão. Quem não tivesse nota positiva (nunca foi meu caso 😊) era reprovado, sem qualquer negociação. Não tinha electricidade, usava candeeiro à petróleo para rever durante a noite. Não haviam abundância de livros muito menos bibliotecas, usava apontamentos de cadernos de estudantes anteriores sempre que tivesse dúvidas ou trabalho para casa… enfim, estudei numa época em que a competitividade e o conhecimento falavam mais alto que qualquer aparência.
Quando penso sobre este passado, compreendo que a carência é sempre uma oportunidade para aperfeiçoamento da criatividade do homem e melhoramento do bem-estar individual e colectivo, e nunca o contrário. E a abundância…?

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